Entrevista dada a Arriete Vilela para o Caderno B da Gazeta de Alagoas, publicada em 27/12/2014.
1- Prometemos segundo nossas esperanças e cumprimos segundo
nossos temores"? (La Rochefoucauld)
Minha banda toca em outra praça. Deixar que o temor dite o fazer é extremamente
conservador. O mundo só vai pra frente se houver quem siga ideais que quebrem as
estruturas vigentes e coloquem novas no lugar. Isso vale tanto para a sociedade como um
todo, quanto para aspectos específicos, como a literatura. Imagino quando o verso livre
surgiu, sem rima, sem métrica, os caras devem ter pirado o cabeçote dos que estavam
confortavelmente colocando letras e sílabas tônicas em espaços pré-determinados. Digo
isso sem desmerecer quem já estava sentado na janelinha. Hoje vejo muitos jovens fazendo
poemas que me surpreendem e fazem-me às vezes achar que o velho agora sou eu. Mas
talvez ainda não. Talvez ainda haja como conviver. E que a vida siga e possamos prometer
segundo nossos temores e cumprir segundo nossas esperanças.
2 - "O gênio está sempre acima da era em que vive"? (Harold
Bloom)
Os gênios são importantes para a humanidade, pois em geral apontam soluções para
problemas até então insolúveis ou até para os que nem haviam sido propostos. De certa
forma dão um empurrão pra frente nas coisas, na ciência, nas artes, nos esportes. Para isso
eles têm que estar de algum modo em um ponto de vista diferente da maioria das pessoas
de seu tempo. Há gênio de toda ordem e para todo gosto, mas prefiro os que ofereceram
sua criação para a alegria ou a melhoria do povo de seu tempo e dos futuros, como um
Chaplin, um Einstein. Isto sem esquecer os gênios populares, dos grotões, que estão à
margem do mainstream (não sei uma palavra boa em português para isso, mas uma possível
tradução seria a corrente dominante de uma época). Por outro lado, sem o agir coletivo a
genialidade pode ser inócua. Imagino quantos gênios foram incompreendidos em seu tempo
ou perdidos pela distância dos grandes centros. Quanto a humanidade poderia ter ganhado?
Mas o acaso faz sua parte no caminhar do rio da vida.
3 - "Todo e qualquer conhecimento tem origem na
experiência"? (J. Locke)
Gosto de pensar que o conhecimento é resultado de algo construído pelo pensamento e
se baseia numa representação mental – elaborada a partir da percepção e da intuição –
da realidade exterior ao pensamento, do que poderíamos chamar de concreto, e que sem
dúvida passa pela experiência.
4 - "Os clássicos escreviam tão bem porque não tinham os
clássicos para atrapalhar"? (Mario Quintana)
Quintana enfia o dedo em um aspecto bem interessante: o papel dos pares. Isso vale para a
literatura e para a ciência. É muito comum encontrarmos donos de nichos ou às vezes donos
de toda a verdade. Seja diferente e pereça. Por outro lado, não podemos deixar de enfatizar
a importância deles, sobretudo para quem está começando. Uma referência sólida é sempre
um bom começo para quem quer entrar em alguma área. É o pai ou a mãe. Uma hora deve-
se romper e caminhar por conta própria, mas não necessariamente sozinho.
5 - "Nem todo poema contém poesia. [...] Há máquinas de rimar,
mas não de poetizar. Por outro lado, há poesia sem poemas;
paisagens, pessoas e fatos podem ser poéticos: são poesia sem ser
poemas"? (Octavio Paz)
Concordo, embora nem goste de chamar de poema alguns escritos que não guardam
poesia. Sou extremamente tolerante a escolas literárias e a não-escolas, mas não à falta de
poesia, mínima que seja, uma metaforazinha, pelo menos, ou uma estética que surpreenda.
Também não gosto da tentativa de replicar o romantismo do século XIX nos dias de hoje.
Foi extremamente válido, mas vamos deixar que novas formas ganhem espaço e corpo.
Vale destacar que tenho certa aversão à ideia elitista de que a poesia popular não é poesia
ou é inferior. Eu posso gostar, ou não, de um poema popular, por encontrar um lirismo
simples, como de um poema concretista altamente inteligente, porém sem lirismo algum.
Por outro lado, não há como não curtir a poesia nos belos olhos da pessoa amada, em um
céu com cores surpreendentes, no andar trôpego da criança dando os primeiros passos em
direção à mãe.
6 - "A Arte é uma espécie de Bem por procuração"? (Íris
Murdoch)
A arte é algo que deve estar disponível por procuração com plenos poderes para qualquer
ser humano usufruir. A arte, embora fruto de um ser, deve estar superior ao ego do
artista. Depois de criada, a obra de arte é de quem a sente e consegue carregá-la em si,
independente de possuir o dinheiro necessário para comprá-la.
7 - "Uma enorme fatia de algo bom é maravilhoso"? (Mae West)
Não sou dos que se lambuzam no excesso. Gosto das hipérboles, mas como figura de
linguagem que ajuda a iluminar algo a ser destacado, uma lupa. Hoje procuro desenvolver
em mim a capacidade de saciar-me com menos. É um exercício difícil, porém moralmente
interessante. O problema é que o fantasma de Oscar Wilde geralmente pousa e lembra-me
que "eu resisto a tudo, menos às tentações".
8 - "De onde menos se espera, daí é que não sai nada"? (Barão de
Itararé)
Perfeito, como peça de humor. Dialoga generosamente com a estatística. No entanto, na
literatura é um desastre. Eu gosto da literatura que me surpreende, que me arrepia.