Eram sete e quarenta e cinco da noite. Do camarim – por uma
fresta da janela – eu olhava o aguaceiro um tanto preocupado. Maceió tinha
feito um dia de sol e decidira mudar de ares justamente momentos antes do
início do III Sarau Erótico-Carnavalesco do Papel no Varal. O evento se
propunha a trazer o espírito dos cabarés do século passado. A produção,
coordenada de forma competente por Taísa, administrava os últimos preparativos
para o início do show marcado para as oito. O varal com os 100 poemas já estava
pronto abaixo da cúpula do Museu Theo Brandão. Pontualmente às oito e meia – para
esquentar o público que assistia, sob os toldos, o cair persistente de uma
caudalosa chuva de verão – a Banda Kafonas Brega Show começou o tocar. Dez
minutos de um pot-pourri de lambadas foram suficientes para a chuva resignar-se
e entrarmos no palco. Estava acompanhado de Carina Flor, Rosângela e Olodum, as
varaletes, que dariam um toque de
alegria durante todo o show. A minha indumentária era um tanto ridícula. Pela
primeira vez usava anéis e correntes e creio que pela segunda vez calça branca
(antes tinha sido na primeira comunhão). Mas nada pior que a barbicha,
cuidadosamente desenhada pelo barbeiro Nilton, sob as orientações da produtora
ao telefone.
A plateia estava muito animada. Ao invés de água, recebi uma
chuva de calcinhas, que me deixaram um tanto encabulado com a brincadeira em
homenagem ao Wando. Mas entrei na onda. Dava para ver muita gente que nunca havia
aparecido em nossos eventos, misturada a poetas, artistas e amigos do Projeto
Papel no Varal. Para minha felicidade, Letícia, Maria Luíza e Cidinha estavam na
primeira fila. Recebo logo cinco inscrições para leitura e dou início ao sarau
propriamente dito. Convido ao palco a atriz Mary Vaz que fez uma estátua viva
no palco durante o espetáculo. As leituras se seguiram. Quando queria – e creio
que todos quiseram – o leitor escrevia um verso no corpo da atriz. Com o tempo
e os versos as roupas iam diminuindo no corpo de Mary, que ficava à mostra. No
palco desfilaram diversos personagens, ressaltando a figura ilustre do Duque de
Jaraguá, Carlito Lima, que leu Olavo Bilac, e do diretor do museu, Wagner
Chaves, dizendo Mia Couto.
Fizemos o show em três blocos, com dois intervalos musicais
com o melhor da música de cabaré, quando a plateia pôde dançar juntinho. Enquanto
o telão, comandado por Larissa, mostrava algumas imagens em torno do tema do
evento, as varaletes eram só sorrisos
e passos. Lidiane e Bruna auxiliavam-me no palco, trazendo-me sempre as
inscrições de leitura. Em algum momento veio-me o espírito de ex-professor de
forró que me fez dançar umas lambadas com as meninas e acompanhar suas
coreografias. Não sei se ficou bom, mas que eu me diverti muito, isso ninguém
pode negar.
Houve sorteio de brindes dos patrocinadores e uma visita
surpresa do Lobão (das Alagoas), produtor de filmes pornô, que ofertou um
conjunto de dvd, muito disputado por parcela significativa do público.
Durante o evento, uma comissão julgadora escolhia a melhor
leitura ou performance amadora. Ana Couto venceu o concurso, dizendo “O Tato”
de Arnaldo Antunes. Bruno Duarte foi menção honrosa com “O monge e a velha” de
Clément Marot e tradução de José Paulo Paes.
Outra surpresa da noite deu-se quando o ator Gustavo Gomes
leu o poema Dialógica, de minha autoria, e – ao escrever os versos no corpo da
estátua viva – desnudou-a por completo, recebendo as palmas da plateia.
Estávamos no terceiro e último bloco que transcorreu com belas leituras. Fechei
o sarau dizendo o poema “Safo em Jatiúca” do poeta alagoano Marcos de Farias
Costa e entreguei o palco à banda, que colocou o público no salão, encerrando
uma noite onde os ritmos e versos populares entremearam a poesia dos grandes
clássicos de literatura erótica de todos os cantos e de todos os tempos. Eram
onze e trinta da noite. O céu escuro enxugava as últimas gotas d’água e a
poesia fruía minhas veias.
Ricardo,
ResponderExcluirQue maravilha esse evento hein, mais um... Desejo vida longa a essa iniciativa que leva poesia de todo canto pra todo mundo.
Aproveito para parabenizar todos que promovem, produzem e que comparecem.
Meu afeto, saudades desde o Recife.
Beijo, Mavi.