
Um texto muito bem escrito e de extrema generosidade, sobre o Bukowski Blues, no BomBar. Acompanham belas fotos.
Estava no aniversário de Zé Ivo, quando Atiba me propôs fazermos um evento juntos. É jazz? Perguntei. – Não, é blues, ele disse. Não tive dúvidas no título: Bukowski Blues. Em poucos dias estava tudo resolvido, seria no BomBar numa terça-feira (11/1/11), às 21 horas. Fiquei noites e noites lendo, selecionando e traduzindo poemas, já que tinha apenas seis ou sete do Bukowski. Consegui chegar aos 25 poemas que se somariam aos 12 blues selecionados por Atiba. Na segunda-feira, todas as 45 mesas estavam reservadas, e ainda sairia uma bela matéria no Bom Dia Alagoas no dia do show. Desconfiei que a casa estaria cheia. Dito e feito, show com gente em pé por todo lado, encostando-se aos muros, árvores e carros das redondezas. Disseram que havia mais de 300 pessoas. Desconfiei que o Bar não fosse dar conta. Dito e feito, o que aumentou o clima bukowskiano da noite. A plateia era eclética, a maioria de jovens que se mesclavam à geração que lera Bukowski quando tinha a idade deles. O show atrasou devido a problema com um dos instrumentos na passagem de som. Depois de abrir minha garrafa de cachaça, começamos o Bukowski Blues algo depois das nove e meia. Iago leu um texto de apresentação do show, que se iniciou com Atiba Taylor e Ricardo Lopes levantando a plateia com um belo blues que não lembro o nome agora. Em seguida, eu disse ‘A genialidade da multidão’. Músicas e poemas se cruzarão de forma harmônica. Got a feeling, Down home blues, Georgia, Summertime, dentre outros blues, alternaram-se com poemas como role os dados, o amor é um cão do inferno, confissão, como ser um grande escritor e azulão. A música estava perfeita. Atiba, em noite inspirada, cantou, tocou sax, piano, agitou a plateia. Ricardo Lopes fez o que quis com a guitarra e o violão. Havia química entre os dois e o público. Em certo momento, o músico norueguês, Rolf-Eric Nistrom, que estava de passagem por Maceió, se juntou à Atiba e Lopes e deu uma canja mais que especial. Enquanto dava vazão à minha exclusiva garrafa de cachaça, em homenagem ao velho Buck, os poemas eram ditos. Creio que alguns saíram legais. Um detalhe, depois de lidos, eu sempre jogava os poemas ao chão. Entre um gole e outro noto um apanhador de poemas, que corria para pegá-los, cada vez que uma folha procurava o melhor trajeto para encontrar o solo. Era Luiz, que provavelmente também estava alcoolicamente sintonizado com o clima bukowskiano da noite. Percebi que Janaína e Magella sorriam. Houve um momento que apareceu um carro da polícia. Era um show, mas como eu estava dirigindo bêbado, pensei logo que era comigo. Mas não, os caras ficaram ouvindo a bela música e alguns poemas até que saíram quando li um verso que falava da estreiteza de uma parte muito interessante (pelo menos para mim) da anatomia feminina. E como em quase todos os meus eventos, choveu. Mas o álcool fez-me não perceber a chuva, nem o relógio. O que era para ser uma hora e meia de apresentação tornou-se três. Fiquei impressionado quando percebi que passava da meia-noite e as mesas estavam praticamente todas ocupadas. Fechamos o show com azulão (bluebird) “em meu coração existe um pássaro um azulão que quer sair mas eu não permito, ...”. Ainda tive consciência para autografar – com um garrancho ilegível, mas cheio de felicidade – alguns exemplares de ‘Cacos Inconexos’. Ouvi alguns comentários legais das pessoas e dei uma entrevista para um blog. Espero que não tenha falado muita bobagem, pois não consigo lembrar o que disse e nem mesmo o endereço para ler a entrevista. Em seguida, escolho uma mesa afastada, sento acompanhado de minha garrafa e tomo meu último gole, enquanto o céu de Maceió abre suas pernas para as estrelas me apontarem o caminho. (ricardo cabús)
em meu coração existe um pássaro um azulão que
quer sair
mas eu não permito,
eu digo, fique aí, eu não vou deixar
ninguém ver
você.
em meu coração existe um pássaro um azulão que
quer sair
mas eu dou uísque para ele e jogo
fumaça de cigarro
e as putas e as garçonetes
e as atendentes
nunca sabem que
ele está aqui dentro.
em meu coração existe um pássaro um azulão que
quer sair
mas eu não permito,
eu digo,
fique quieto, você quer
me ferrar?
você quer fuder meu trabalho?
você quer estragar a venda de meus livros na
Europa?
em meu coração existe um pássaro um azulão que
quer sair
mas eu sou sabido, eu só deixo ele sair
de vez em quando à noite
quando todo mundo está dormindo.
eu digo, eu sei que você está aí,
não fique
triste.
então eu coloco ele de volta,
mas ele ainda está cantando um pouco
aqui dentro, eu não deixei ele
morrer totalmente
e nós dormimos juntos desse
jeito
com nosso
pacto secreto
e isto é tão legal que
faz um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say, stay in there, I'm not going
to let anybody see
you.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I pur whiskey on him and inhale
cigarette smoke
and the whores and the bartenders
and the grocery clerks
never know that
he's
in there.
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too tough for him,
I say,
stay down, do you want to mess
me up?
you want to screw up the
works?
you want to blow my book sales in
Europe?
there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?
há bastante traição, ódio, violência, absurdo no ser humano
comum para suprir qualquer exército em qualquer dia
e os melhores assassinos são os que pregam contra isto
e os melhores em ódio são os que pregam amor
e os melhores em guerra finalmente são os que pregam a paz
aqueles que pregam deus, precisam de deus
aqueles que pregam a paz, não têm paz
aqueles que pregam a paz, não tem amor
cuidado com os pregadores
cuidado com os entendidos
cuidado com aqueles que estão sempre lendo livros
cuidado com aqueles que detestam pobreza
ou têm orgulho dela
cuidado com aqueles que são rápidos no elogio
porque precisam de elogios de volta
cuidado com aqueles que são rápidos na censura
eles estão preocupados com o que não sabem
cuidado com aqueles que vivem buscando multidões porque
não são nada sozinhos
cuidado com o homem comum a mulher comum
cuidado com o amor deles, o amor deles é comum
busca o comum
mas há genialidade no ódio deles
há bastante genialidade no ódio deles para matar você
para matar qualquer um
não querendo a solidão
não entendendo a solidão
eles tentarão destruir tudo
que for diferente deles próprios
não sendo capaz de criar arte
eles não entenderão de arte
eles considerarão suas falhas como inventores
apenas como uma falha do mundo
não sendo capaz de amar completamente
eles acreditarão na incompletude do amor
e então eles odiarão você
e esse ódio será perfeito
como um diamante brilhante
como uma faca
como uma montanha
como um tigre
como cicuta
a mais fina arte.
there is enough treachery, hatred violence absurdity in the average
human being to supply any given army on any given day
and the best at murder are those who preach against it
and the best at hate are those who preach love
and the best at war finally are those who preach peace
those who preach god, need god
those who preach peace do not have peace
those who preach peace do not have love
beware the preachers
beware the knowers
beware those who are always reading books
beware those who either detest poverty
or are proud of it
beware those quick to praise
for they need praise in return
beware those who are quick to censor
they are afraid of what they do not know
beware those who seek constant crowds for
they are nothing alone
beware the average man the average woman
beware their love, their love is average
seeks average
but there is genius in their hatred
there is enough genius in their hatred to kill you
to kill anybody
not wanting solitude
not understanding solitude
they will attempt to destroy anything
that differs from their own
not being able to create art
they will not understand art
they will consider their failure as creators
only as a failure of the world
not being able to love fully
they will believe your love incomplete
and then they will hate you
and their hatred will be perfect
like a shining diamond
like a knife
like a mountain
like a tiger
like hemlock
their finest art
pés de queijo
alma de cafeteira
mãos que odeiam tacos de sinuca
olhos como clipes de papel
eu prefiro vinho tinto
eu fico entediado em aviões de carreira
eu sou dócil durante terremotos
eu sou sonolento em funerais
eu vomito em desfiles
e vou ao sacrifício no xadrez
e nas bucetas e nos afetos
eu cheiro urina nas igrejas
eu não consigo mais ler
eu não consigo mais dormir
olhos como clipes de papel
meus olhos verdes
eu prefiro vinho branco
minhas camisinhas estão ficando
vencidas
eu tiro todas do envelope
Jontex
lubrificadas
para maior sensibilidade
eu tiro todas do envelope
e coloco três delas
as paredes do meu quarto são azuis
Linda para onde você foi?
Catarina para onde você foi?
(e Nina foi para a Inglaterra)
eu tenho cortadores de unha
e limpa-vidros Vidrex
olhos verdes
quarto azul
metralhadora solar brilhante
tudo isto é como uma foca
presa em rochas oleosas
e arrodeada pela Banda Marcial de Long Beach
às 3h36 da tarde
há um tique-taque atrás de mim
mas nenhum relógio
eu sinto alguma coisa rastejando
no lado esquerdo de meu nariz:
memórias de aviões de carreira
minha mãe tinha dentes postiços
meu pai tinha dentes postiços
e todo sábado de suas vidas
eles tiravam todos os tapetes da casa
enceravam o assoalho
e cobriam de novo com os tapetes
e Nina está na Inglaterra
e Irene está no asilo
e eu pego meus olhos verdes
e deito em meu quarto azul.
feet of cheese
coffeepot soul
hands that hate poolsticks
eyes like paperclips
I prefer red wine
I am bored on airliners
I am docile during earthquakes
I am sleepy at funerals
I puke at parades
and am sacrificial at chess
and cunt and caring
I smell urine in churches
I can no longer read
I can no longer sleep
eyes like paperclips
my green eyes
I prefer white wine
my box of rubbers is getting
stale
I take them out
Trojan-Enz
lubricated
for greater sensitivity
I take them out
and put three of them on
the walls of my bedroom are blue
Linda where did you go?
Katherine where did you go?
(and Nina went to England)
I have toenail clippers
and Windex glass cleaner
green eyes
blue bedroom
bright machinegun sun
this whole thing is like a seal
caught on oily rocks
and circled by the Long Beach Marching Band
at 3:36 p.m.
there is a ticking behind me
but no clock
I feel something crawling along
the left side of my nose:
memories of airliners
my mother had false teeth
my father had false teeth
and every Saturday of their lives
they took up all the rugs in their house
waxed the hardwood floors
and covered them with rugs again
and Nina is in England
and Irene is on ATD
and I take my green eyes
and lay down in my blue bedroom.