Izabel Brandão (1)
De Ricardo Cabús pode-se esperar tudo, especialmente atrevimento. Seu livro Cacos Inconexos é assim mesmo: atrevido.
Os poemas se derramam sobre nossos ouvidos como quem procura colo, algumas vezes; em outras, a busca é do revelar-se como uma peça frágil da engenharia humana e divina. E mais, o atrevimento também vem sob a forma de uma defesa inconfessável: do gostar de ser homem e de ser heterossexual, ainda que, nessa revelação, pareça enxergar nas mulheres apenas o seu órgão sexual, mas é aí que se deixa revelar caseiro, sexual e domesticamente envolvido pela mulher cobiçada (ou desejada).
O poema em questão, “Dialógica”, integra a segunda parte do livro (“Um caco que corta”), cuja temática é a sexualidade. Das outras partes do livro, pode-se falar em poemas que eu definiria como “poemas necessários” (“Ausência”, “Cinzado”, “Puída”), retomando um velho conhecido nosso de Sheffield, o poeta e crítico Terry Gifford. Esses poemas, alguns bem curtos (aliás, são, a meu ver, os melhores), falam de tudo, da solidão do ser, de alegrias e de ressonâncias que podem ser identificadas com a poesia de Antônio Cícero (“Asas já não tenho”), entre outros poetas.
Os atrevimentos ricardianos também caminham por experimentações com a linguagem e alguns poemas ecoam uma forma conhecida como amuleto, em que a última palavra de um verso começa o verso seguinte (“Um lugar ambíguo da memória”, por exemplo). Os poemas de “Um caco que toca” (quarta parte) trazem ressonâncias musicais, letras compartilhadas musicalmente com outros artistas, com especial atenção para “Sambista fingidor”, um delicioso poema que nos remete a Fernando Pessoa e que tem muito ritmo e poesia e que pede o som que o acompanha.
Talvez o maior atrevimento de Ricardo Cabús em seu livro se dê nos poemas traduzidos (“Um caco catado de outros”, sexta e última parte). É preciso ter, acima de tudo, coragem para traduzir poetas como John Donne, ainda que por um fragmento, ou um Charles Bukovski, ou ainda uma Emily Dickinson ou Elizabeth Bishop e Octavio Paz, entre os tantos outros escolhidos. Uma tradução necessariamente trata de linguagens poéticas diferentes – as línguas têm sons, ritmos, velocidades diferentes. Assim, o que “li” nos poemas traduzidos foi como eles chegaram aos meus ouvidos e como não houve arranhões, apreciei. Óbvio que nenhum leitor/leitora gosta de tudo, mas, nesse caso, prefiro falar do que gostei, como por exemplo, da saudade que senti de Sheffield, pelas fotos da cidade que ilustram os poemas em prosa (ou a prosa-poema) de “Um caco no caminho” (quinta parte) sobre um lugar que me (nos) é muito especial.
Cacos inconexos é um livro que merece ser lido com gosto. O Ricardo poeta, aprendiz de feiticeiro, de Estações partidas, lá dos anos noventa, virou mago e agora ensina feitiços poéticos. Parabéns pelo livro.
(1) Izabel Brandão é professora de Literatura da UFAL e pesquisadora do CNPq.
Mis saludos y felicitcaiones un abrazo afectuoso desde Santiago de Chile,
ResponderExcluirLeo Lobos